Quando uma pessoa vai presa por manter
um blog, isso lhe incomoda?
Não há quem não conheça a palavra "liberdade". Mas, sozinha, ela quer dizer muito pouco; liberdade precisa de um objeto para o qual ser livre. Ela surge de algo que cerca, cerceia. Conquistamos nossas liberdades à medida em que conhecemos seus contrapontos; e é preciso reinventá-las todos os dias. Se cessarmos essa procura, ficamos acomodados, e assim a liberdade termina. Redescobrimos sua necessidade dia após dia - afinal, não sabemos de tudo. Se soubéssemos, talvez muita coisa fosse diferente. Saber é importante e todos deveríamos ter o direito de saber das coisas, não?
Pois temos. Isto se chama liberdade de informação - e garante que um indivíduo receba informação de outro. Isso é suficiente? Nem sempre, porque para que a informação chegue é preciso termos assegurada nossa liberdade de expressão - o direito que um indivíduo tem de manifestar-se livremente, desde que não atente à moral e integridade física de outro indivíduo. Logo, as duas andam de mãos dadas, e assoviando. Elas reafirmam que nós, pessoas "livres", temos o direito de receber e de produzir informação. É o que basta? Não. Não adianta nada eu expressar minha opinião no banheiro ou numa sala vazia; da mesma maneira que é inútil ficar com o ouvido alerta na varanda de casa e a informação não chegar. Porque há alguma coisa aí no meio: de fato, é O MEIO. A mídia; o que está entre a informação criada e a informação recebida. Entre cada um de nós. Numa conversa pelo celular, a mídia é o aparelho de telefone. Quando assistimos o telejornal da noite, a mídia é a TV - e, antes dela, a imprensa. Que está entre o que acontece de fato e o que é notícia. Assim, se a imprensa não fosse livre, nada adiantaria sermos livres para produzir e receber informações. Para nossa sorte, na maioria dos países conquistou-se também essa liberdade: a de imprensa.
Tendo o produtor, o meio e o receptor livres diante do fluxo da
informação, então podemos conquistar a Liberdade
de Comunicação.
Hoje, eu e você somos livres para informar e sermos informados,
num fluxo que trafega por meios livres. Mas não vivemos num mundo
livre. Liberdade por si só não é suficiente, porque ela não pressupõe
naturalmente outro conceito importante: democracia.
A mídia tradicional (rádios, TVs, jornais, portais web) está longe
de ser proporcional à quantidade de informação produzida, tanto
quanto ao número de indivíduos que as recebem. As pontas são infinitamente
maiores que os meios existentes. Há um estrangulamento. E quando
isso acontece, alguma coisa fica de fora do fluxo. É isso que a
mídia tradicional faz: filtrar. Selecionar informações para distribuí-las
ao maior número de pessoas possíveis - donde o termo "meios de comunicação
de massa". Poucas informações produzidas são veiculadas, poucos
produtores tem poder para comunicar o que querem, e poucas opções
temos de receber o que de fato queremos. E se não recebemos, a informação
existe? De fato, sim; na prática, não. É o sujeito que grita na
sala vazia. Sujeito que talvez tenha coisas relevantes a dizer.
Todos nós temos coisas a dizer, sim. Por que não teríamos?
No modelo vigente, a mídia escolhe por nós. Ela cerceia a própria
liberdade que tanto precisa, em nome de uma efetividade - muitas
vezes, manchada pela face comercial que a viabiliza (quando não
é a própria razão de existir).
Mas eu quero falar. Quero falar o que eu quiser. E falar para quem
eu quiser. Para quem quiser me ouvir e que vai poder me achar. Quero
ouvir. Ouvir o que eu quiser. E ouvir de quem eu quiser. De quem
quiser me falar e que vou poder encontrar. Essa é a verdadeira liberdade
e democracia da comunicação. Isso, os meios de massa jamais poderão
oferecer, mas a Internet sim: com o blog.
Uma ferramenta pessoal, acessível, de baixo custo, sem intermediários,
apoiada em uma mídia instantânea e de alcance global.
Não apenas o diário virtual, pense de novo: Blog
é o suporte tecnológico de uma revolução na exposição de idéias,
na distribuição de informação, na democratização
da comunicação. Na internet, qualquer sujeito que quiser
exercitar sua liberdade de expressão encontra um sujeito exercitando
sua liberdade de informação. Isto é liberdade. Isto é democracia.
Esse é o direito que deve ser assegurado.
Não há confronto com a mídia de massa. Pelo contrário; o que queremos
é que se garanta o mesmo poder e a mesma liberdade que é dada à
imprensa para o indivíduo. Da mesma forma que já compartilham democraticamente
estas duas esferas - mídia tradicional e blogs - a própria constituição
da informação e seu desencadeamento. Que a blogosfera ande junto
com aquela imprensa que é responsável e idônea! A informação da
grande mídia, por exemplo, tem agora um local onde pode ser debatida,
contestada ou corroborada. Como disse Jeff Jarvis, do blog BuzzMachine,
sobre o escândalo que derrubou o âncora Dan Rather, da rede norte-americana
de notícias CBS, durante as eleições presidenciais de 2004: "Nós
costumávamos pensar que as notícias haviam terminado depois de impressas,
mas agora, é quando elas começam".
Porém, mais do que amplificar a imprensa, os blogs crescem ainda
mais em relevância quando tornam-se um canal alternativo,
onde circulam as informações que a mídia tradicional não cobre.
A liberdade impulsiona para a descentralização: ganha o indivíduo.
Ganhamos todos nós.
Infelizmente, nem todos entendem assim. No Oriente, por exemplo,
ações extremas já foram tomadas para combater a liberdade "excessiva"
que os blogs trazem consigo: no Irã, blogueiros foram presos por
divulgar nomes de jornalistas cassados e presos; no Bahrein, por
"difamar o rei". Também sanções são aplicadas na China, onde todo
o acesso à internet é rigorosamente controlado. Países longe de
nós? Nem tanto: aqui no Ocidente, onde a democracia parecia ser
a suprema bandeira, o autor de um blog foi obrigado a identificar
suas fontes pela justiça norte-americana, ativada por um processo
da Apple. Antes disso, no Brasil, um blogueiro foi obrigado a retirar
sua página do ar por decisão de uma juíza; nesse caso, uma empresa
de recursos humanos foi insultada na caixa de comentários, por um
terceiro. O processo ficou conhecido por levantar a discussão entre
o Direito e os sistemas de publicação pessoal no Brasil.
O tema é polêmico por tratar-se de um cerceamento autoritário e
que demonstra falta de conhecimento sobre os blogs. Se é claro que
o indivíduo é responsável pelas opiniões que emite e os fatos que
apresenta - como em todas as esferas, logicamente -, é preciso tomar
cuidado para que regras e leis não tornem a atividade improdutiva,
perigosa ou por demais delimitada. Em última instância, blogs são
páginas pessoais e não mídia tradicional.
Responsabilidades devem ser cobradas onde se aplicam, no âmbito
correto, sem confusão entre a esfera pública, comercial e privada.
Um blog será sempre a expressão de uma idéia pessoal, individual,
e que devia ser livre, não? Embora devamos evitar uma normatização
que pode esterilizar e delimitar esse espaço, a blogosfera ligada
ao Direito já começa a debater a questão, e alerta para o que pode
e não pode ser enquadrado como crime - liberdade, afinal, não significa
bandalheira. Mas bloquear o livre acesso aos blogs, ou tentar limitar
seu conteúdo, é um atentado contra todas as liberdades já conquistadas.
Represar essa nova liberdade de comunicação é um passo tardio dos
que procuram impor uma única via.
É preciso discutir essa nova forma de comunicação. Popularizar
para atingir o maior número possível de pessoas. Disseminar a informação
para que se evitem julgamentos errôneos. Também é necessário cultivar
um senso de fair play entre os blogueiros; incentivar a capacidade
individual dos leitores para separar o legítimo do ilegítimo e buscar
mais de uma fonte para a mesma história. A própria natureza colaborativa
e de interligação dos blogs pode estabelecer esse ambiente de auto-gestão
de credibilidade. Se um blog mal-intencionado ou mentiroso é desmascarado,
será banido pela própria comunidade; aqui, a relação é um-a-um,
direta. São pessoas reais com sentimentos reais. E ninguém gosta
de ser feito de trouxa.
Dan Gillmor, jornalista norte-americano, papa dos blogueiros, defensor
do citizen journalism e autor do livro We the Media, julga a blogosfera
como uma "câmara de eco". Para Gillmor, as idéias movem-se por ela
como vírus. É impossível pará-las de todo, e o único impedimento
de uma "contaminação" é o querer do sujeito, que pode passar de
simples receptor passivo a produtor e crítico num piscar de olhos.
O nascimento, a legitimação e o fortalecimento de uma nova via de
informação depende apenas que cada cidadão coloque em prática a
prerrogativa de suas liberdades conquistadas. O aparato tecnológico
está disponível, e onde não estiver, deve ser
levado. Cercear, normatizar e delimitar esse suporte,
ou o conteúdo nele contido, é aprisionar o indivíduo no momento
em que ele mostra sua força como indivíduo. Incentivar e lutar pela
liberdade de comunicação é criar uma forma inédita para a produção,
a compreensão e a discussão da informação. E se hoje a informação
é o poder, nunca ele esteve tão próximo de cada um de nós, livre
e democraticamente. Não vamos, agora, abrir mão disso.